segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A Residência produzindo idéias!

Olha o texto de um estudante da residência universitária da ufrn, campus II. Um texto para reflexão, fruto de vários debates que estamos travando lá. Fiquei bastante feliz em ler, pois me fez recordar das várias conversas que tivemos por lá. Que bom está rendendo frutos e fazendo o rio correr... boa leitura:


"Os novos Letrados, igualdade formal, argumento de inclusão e outras falácias nas universidades

Por Josivaldo de Sousa Soares - Residente Universitário, 5º período de Direito/UFRN


O discurso opressor da igualdade formal consubstanciado nos termos do decantado artigo 5º da Constituição cidadã - ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza‖ - reflete a igualdade fria e formal da Lei, que os liberais utilizaram para extinguir os valores do Estado absoluto e despótico, em função do poder que eles gozavam na sociedade do século XVIII: o capital; Duzentos anos depois, mesmo com a crise do Estado Liberal e ascensão do Estado Social, o mesmo discurso, ainda é usado, dessa vez, como impedimento a uma igualdade material, esta consolidada pelos valores etéreos de justiça. Os defensores da igualdade de conteúdo formal repudiam o conceito de discriminação positiva, isto é, aquela destinada a suprir a situação de desvantagem imposta historicamente aos indivíduos por causa de sua origem social. A igualdade material, arcabouço das ações afirmativas, segundo Rui Barbosa é a medida da verdadeira justiça, pois esta consiste em tratar ―desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade‖, tendo em vista a pluralidade da sociedade brasileira.

Há, no entanto, um desequilíbrio na balança da justiça em favor de valores que instigam a barbárie da livre concorrência substituindo o moderno contrato social por uma sociedade ―pré – histórica‖, onde ―dinossauros disputam espaço com o Neandertal‖, sob aquela pretensa insígnia francesa de igualdade formal de oportunidades, proporcionado pela liberdade do ―laissez faire, laissez passer\"‖, como se a livre concorrência propiciasse a todos igualdade na batalha da ascensão social.

Infelizmente, até mesmo aqueles que conseguem diminuir a distancia abissal existente entre o mundo dos ricos e dos pobres, acreditam nessa igualdade liberal, ao ponto de clamar: ―Eu prefiro essa forma de sociedade porque é só querer, estudar, trabalhar, competir; temos chances iguais‖, assim falou o novel bom burguês.

Para o desalento da maioria não tivemos e nem temos as mesmas chances, e ainda contamos com os conflitos e os pré-julgamentos disfarçados da elite, que apesar de ser minoria no país, estranhamente, se faz como maioria nas universidades públicas, não por acaso na universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, no último vestibular (2010), apenas 12, 11% das vagas ocupadas são provenientes de escolas públicas, sem contar que na federal potiguar, já existe um esboço de ação afirmativa, intitulada de argumento de inclusão, e mesmo assim persiste o número medíocre, que a comissão do vestibular estampa nos jornais, maquiando a realidade, como se medidas consistentes estivessem em plena operacionalização para equilibrar a desproporção.

A situação torna-se mais preocupante quando fragmentamos a quantidade de alunos ingressantes por suas respectivas áreas (humanística, tecnológica e biomédica), perceber-se-á que a taxa de alunos caem assustadoramente. Quando fazemos os cálculos para os cursos historicamente burgueses que ostentam o ideário social, constataremos o absurdo de apenas 5% dos alunos terem sido discentes da rede pública de ensino. Outro fato que passa despercebido nas entrelinhas dos jornais é o quadro de evasão universitária dos egressos da escola pública e os seus motivos, estes geralmente relacionados com a falta de estrutura financeira em custear à dispendiosa vida acadêmica, a conseqüência é o abandono, ou uma graduação deficitária, aumentando as demandas do subemprego e dos ―cursinhos‖ preparatórios para concursos públicos, exatamente porque o ensino, pesquisa e extensão foram lacunosos e sem reais oportunidades.

Soma-se a conturbada vida dos estudantes de origem popular, à divergência de costumes sociais, conflitos de ideologias, que dão ensejo a um não disfarçado ―apartheid‖ classista que colocam a maioria burguesa de um lado, e a minoria operaria do outro. Daí que não se pode esquecer, o sistema de bolsas de estágios na universidade, bolsas que são endereçados aos ―alunos bons‖, decerto uma alusão aos ―homens bons‖ da época colonial, tudo aos moldes da antiga tradição do favorecimento da terra brasilis. O que transforma o processo seletivo, num jogo de cartas marcadas desconsiderando políticas afirmativas, já introduzidas nas resoluções que deveriam dar prioridade aos alunos economicamente carentes. No entanto, Sobram para esses, tão somente as famigeradas bolsas de apoio técnico, nas quais, não raras vezes nos deparamos com graduando da área tecnológica e/ou biomédica, dando expedientes por dois anos em bibliotecas, na função de arquivista ou recepcionistas.

Nesse ponto, ouviremos em coro altissonante, a maioria burguesa acadêmica defendendo a justiça distributiva aristotélica: a repartição das honras e dos bens entre os indivíduos devem ser de acordo com o mérito de cada um. Todavia, a idéia de mérito é excludente por excelência, basta pensar que num processo seletivo que almeje escolher alunos para bolsas de pesquisa, aqueles que tiverem domínio em alguma língua estrangeira terão, certamente, vantagem em relação ao concorrente que não tem tal aptidão. Mas, qual aluno oriundo de escola pública que tem ao menos o curso básico em inglês?

Os Filhos de uma classe que não precisaram enfrentar jornadas de oito horas em regime celetista, que não precisaram dividir o orçamento entre livros e alimentos, ostentam, em geral uma ideologia que acaba perpetuando o desequilíbrio social, por uma razão lógica e inteligível; são eles os mesmos que historicamente ocuparam as cátedras do poder social - no legislativo, administrativo ou judiciário - anulando de fato a representatividade da maioria, o que faz repetir-se o ciclo que se inicia na porta das universidades; seja no âmbito público ou privado, são aqueles herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitista e excludente - seletiva entre amigo e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto – e que continuaram ocupando cargos e chefias do poder estatal e econômico, agora letrados e graduados.

Nesse sentido, o emérito professor José Afonso da Silva afirma que o tema necessita de mais debates, ―e o motivo principal dessa ínfima discussão reside no fato de que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, nunca postulou um regime de igualdade, tanto quanto reivindicara o de liberdade‖. Por isso, se faz necessário acirrar as discussões e participar do embate por políticas que visem aplicação de ―discriminação positiva― no âmbito universitário, do contrário, correremos os riscos da resignação, o risco de aceitar a falácia de aumento de vagas sem a real eficácia e aproveitamento dessas, ou qualquer ação sem a diminuição de fato das desigualdades que escalonam as classes, estas enraizada no velho e inafastável materialismo histórico.

Portanto, deve-se afastar o discurso da igualdade liberal. O Estado deve promover a igualdade material de oportunidades através de políticas públicas e leis que atentem para as especificidades dos grupos menos favorecidos economicamente, todavia, sem cair nas insidiosas armadilhas de benefícios às minorias, pois seria esquecer o pluralismo cultural brasileiro, sendo mais eficaz compensar as eventuais desigualdades de fato decorrentes do processo político econômico que cria um vale entre as classes sociais no país. Para tanto, deve-se discutir melhoramentos nos argumentos de inclusão e as divisões proporcionais de vagas para alunos carentes, estes definidos na forma da lei. Além de discutir metas para a permanência na vida acadêmica desses, do contrário condenaremos as próximas gerações às reservas mínimas de vagas nas universidades públicas e por conseqüência ao continuísmo da desigualdade de fato existentes entre as classes sociais."

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