sexta-feira, 9 de abril de 2010

Criminalização dos Mov. Sociais: Mov. Indígena também sofre!

Venho publicando algumas notas em solidariedade aos movimentos sociais que vem sofrendo criminalização e violações dos seus direitos, inclusive o de revoltasse a face autoritária e não democrática e garantidora dos direitos humanos que o estado brasileiro vem reafirmando através de algumas práticas que já deveriam ter sido esquecidas, ou melhor, extirpada de nossas instituições, deixando de transformar em criminoso quem luta por direito, e em cidadão bom quem usurpar e impede direitos aos outros seres humanos!

Leia nota da Associação Brasileira de Antropólogos, através do Prof. João Pacheco de Oliveira:


A prisão arbitrária de cacique Tupinambá e a grave situação no sul da Bahia

As ações da Polícia Federal na Bahia no que diz respeito às populações indígenas vêm causando enorme preocupação entre os antropólogos. Causa-nos indignação observar a escalada de ações arbitrárias que estão sendo levadas a cabo por uma instância administrativa que atua de forma cega e truculenta contra os movimentos sociais.

A prisão de Rosivaldo Ferreira da Silva, o Babau, destacada liderança nacional e cacique da comunidade Tupinambá de Serra do Padeiro, no município de Buerarema-BA, no dia 10 de março de 2010, constituiu caso exemplar de um conjunto de medidas - inadequado e com impactos propositadamente unilaterais - que são implementadas, sob a aparência falsamente legalista, por autoridades locais e agentes policiais naquela região.

As circunstâncias de sua prisão, por ele relatadas, evidenciam uma ação violenta e o desejo de intimidação. A casa na qual reside Babau, sua esposa e seu filho de três anos, foi invadida na madrugada do dia 10 de março por agentes policiais que sequer teriam se identificado ou exibido um mandato de prisão. Julgando tratar-se de pistoleiros que pretendiam matá-lo ou seqüestrá-lo, o cacique procurou reagir, havendo luta corporal.

Em decorrência da abordagem incorreta e com finalidades exclusivamente intimidatórias praticada pelos policiais, o mobiliário da casa foi destruído e Babau teve ferimentos por todo corpo. Ainda em Salvador isto era evidente através de um hematoma no olho direito, que o impossibilitava de abrir o olho, e fortes dores próximas ao rim, que o impediam de sentar-se. Outro dado desta ação da Polícia Federal merece destaque: a viatura na qual o cacique foi levado preso partiu da aldeia às 02h30min da manhã e chegou apenas às 6:30 da manhã em Ilhéus, trajeto que demora no máximo uma hora. Nada foi esclarecido até agora pelas autoridades policiais.

O cacique Tupinambá foi indiciado em seis inquéritos: ameaça, tentativa de homicídio, lesão corporal, formação de quadrilha, incêndio criminoso e outros. Apesar de a maioria das acusações não possuir indícios concretos, Babau continua detido na sede da Polícia Federal em Salvador, sendo-lhe somente permitidas as visitas de familiares. Seu irmão também está preso e existem outros mandatos de prisão contra lideranças da comunidade Serra do Padeiro, com a claríssima intenção de, pelo medo, vir a desmoralizar e extinguir o movimento dos indígenas Tupinambás.

A tentativa de caracterização do cacique Babau como um indivíduo violento e perigoso, com uma conduta patológica e anti-social, tem sido uma constante e um pressuposto da ação da PF na região. Isto não resiste porém a um exame mais aprofundado e a uma mirada sociológica, realizada por estudos recentes desenvolvidos por antropólogos da UFBA e do Museu Nacional/UFRJ.

O cacique é o principal articulador das mobilizações indígenas da comunidade de Serra do Padeiro, possuindo inconteste legitimidade nesta comunidade (em boa parte constituída por seus familiares diretos). As estratégias utilizadas, pelos Tupinambás e diversos grupos étnicos no Brasil, questionam diretamente a morosidade no processo de demarcação de terras indígenas anteriormente apropriadas para fins privados. No intuito de acelerar o processo, os indígenas Tupinambás vêm ocupando antigas fazendas de cacau, a maioria destas em quase total abandono e, em todos os casos, com baixíssima ou nenhuma produção agrícola e/ou pastoril, localizadas dentro das delimitações cartográficas do mapa anexo ao laudo antropológico Tupinambá, elaborado e publicado pela FUNAI em abril de 2009.

A partir de 2008, a Polícia Federal, a propósito das reintegrações de posse expedidas pela Justiça, iniciou uma feroz perseguição ao cacique Babau. Nesta escalada de violências, da qual a ABA já informara ao MJ em outubro de 2008, se expressa com nitidez a estigmatização e o ódio de que são vítimas os indígenas e seus representantes pelas elites locais - os únicos beneficiários das ações repressivas e intimidatórias realizadas pela PF no estado da Bahia.

Ao invés de perigoso facínora, imagem atribuída a Babau por aqueles que são refratários aos avanços da demarcação de territórios étnicos, trata-se de uma das mais expressivas lideranças do movimento indígena brasileiro, uma personalidade bastante conhecida dos antropólogos pela lucidez e coerência com que argumenta e defende a valorização do patrimônio das culturas indígenas.

Causa espanto e revolta as diversas manifestações preconceituosas que questionam a identidade étnica dos Tupinambás, ancoradas em uma velha e ultrapassada herança colonial, em colisão direta com a Constituição Federal (1988) e a Convenção 169 (acolhida no Brasil em 2003). Ao buscar justificar por tais argumentos as ações punitivas contra o movimento indígena Tupinambá, a PF termina por respaldar um conjunto de imagens deturpadas, construídas pelo senso comum sobre os indígenas do Nordeste, e apenas contribui para interpor obstáculos absurdos à desejada viabilização dos direitos indígenas naquela região.

A Associação Brasileira de Antropologia vem assim - mais uma vez! - alertar a opinião pública e as autoridades competentes para a arbitrariedade e inadequação com que a PF no sul da Bahia vem executando suas ações contra os Tupinambás. A criminalização e encarceramento de lideranças indígenas, a campanha de intimidação das comunidades e o cumprimento violento de eventuais mandatos de reintegração de posse não conduzirão de maneira alguma à pacificação da região e ao reconhecimento de direitos constitucionais! O agravamento do conflito nestes últimos anos não admite mais soluções meramente burocráticas e rotineiras, executadas setorialmente por órgãos de governo. É necessária uma ação coordenada de diversos organismos governamentais, articulando a atuação do INCRA, do governo do Estado e da FUNAI, cabendo a PF unicamente respaldar a implementação das medidas por eles propostas.

João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas
Associação Brasileira de
Antropologia/ABA 03-04-2010.

Nenhum comentário: