domingo, 4 de outubro de 2009

Catando Texto...

Esta semana participei ouvinte de um debate sobre o Pré-Sal, lá no curso de Direito, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na qual vi posições claras e outras tímidas. Creio que não devemos ser tímidos neste debate, pois alguns "maus brasileiros" não tem timidez na hora de expor seu egoísmo usurpador de sonhos de milhões de brasileiros, por isto, publico texto muito importante neste debate, do professor Carlos Lessa. Boa leitrua!


O pré-sal e os maus brasileiros
Artigo publicado no jornal Valor Econômico

O desempenho da economia brasileira indica, neste último trimestre, a superação das piores dimensões da crise. Parte da mídia, saudosa dos tempos de dominação neoliberal, prepara o discurso contra a neoestatização. Execra a tonalidade dominante da uma nova política petroleira, que propõe a ampliação do controle nacional sobre o Eldorado azul do pré-sal, e lista variados argumentos a favor da prevalência do regime de concessões às petroleiras mundiais. Adverte que o País deve extrair o máximo de petróleo possível, alegando preocupação de que se desenvolvam tecnologias alternativas com novas fontes energéticas e sinalizando a progressiva redução dos "desperdícios" no uso de combustíveis fósseis.

Como o petróleo é, obviamente, não-renovável, sublinham como forte preocupação sua futura desvalorização, apesar de a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ter declarado que "até 2050 temos um bom cenário, porque os custos do pré-sal ficam abaixo de US$ 40 o barril". O petróleo é "ouro negro", tanto que já recuperou o patamar entre US$ 65 e US$ 75 o barril, após ter atingido mais de US$ 130 o barril, com a especulação desenfreada em 2008. Não há risco de o petróleo do pré-sal brasileiro virar um "mico" mais além do próximo meio século. É previsível que a Petrobras desenvolva tecnologia de extração e operação de campos petroleiros, reduzindo seus custos de produção, enquanto a pressão internacional dos consumidores de petróleo empurre para cima o preço do barril, principalmente se houver uma retomada do crescimento mundial. Com o petróleo são obtidos mais de 3 mil produtos, entre os quais os usos energéticos são as utilizações mais amplas e menos nobres deste recurso natural.

Se o Brasil construir uma economia de petróleo, sem se converter em país exportador de petróleo, o pré-sal, combinado com a utilização de nossas fontes hídricas para a geração de eletricidade, dará sustentação às forças produtivas industriais, agropecuárias e de serviços. Em futuro remoto, podemos dispor de tecnologia para outras fontes de energia sem a necessidade de destruir e desarticular as bases produtivas internas, dependentes do petróleo. Não devemos ser exportadores de petróleo cru, a não ser em circunstâncias comerciais específicas, singulares e de alta conveniência para nossos planos de investimento e desenvolvimento. A parcimônia de manter nossas reservas provadas ao abrigo da fúria predatória das petroleiras-exportadoras é uma excelente aplicação financeira e uma salvaguarda de nossa economia futura.

Devemos vigiar excessos internos de consumo de petróleo. Não tem sentido o Brasil construir termelétricas quando dispomos de importante potencial hídrico. Devemos melhorar nossa logística de transporte ampliando a participação das modalidades ferroviária e aquaviária, que usam menos petróleo por tonelada-quilômetro. É particularmente importante o transporte pessoal intrametropolitano e intraurbano utilizando modalidades sobre trilhos consumidoras de energia elétrica; o ônibus se restringiria à coleta periférica, alimentadora de eixos de metrô e ferrovias urbanas. Veículos de luxo com alta potência, desperdiçadores de petróleo, devem sofrer forte penalização tributária.

É importante que o Brasil faça arranjos empresariais que minimizem desperdício de energia. É um erro institucional estratégico permitir a competição predatória entre o não renovável e o renovável. No âmbito do governo federal, deveria ser estudada uma empresa que combinasse a Petrobras com a Eletrobrás e com as atividades nucleares nacionais. A "Energibrás" poderia, sem perder mercado, projetar melhor estrutura de preços de variantes energéticas. A fusão das duas grandes estatais diluiria a excessiva participação estrangeira, em termos percentuais, no capital da Petrobras.

Faço parte de uma geração que leu o "Poço do Visconde", publicado em 1938. Neste livro, Monteiro Lobato, conta que a turma da Dona Benta encontrou petróleo no Sítio do Picapau Amarelo, deixando claro ao leitor infanto-juvenil que o Brasil tinha petróleo. Participamos, quase todos muito jovens, da campanha "O Petróleo é Nosso". Vimos a Petrobras nascer, crescer e dar origem ao moderno setor brasileiro de máquinas e equipamentos. As refinarias garantiram o abastecimento interno. As equipes de engenheiros, geólogos e operários encontraram petróleo interno e se deslocaram para o oceano, descobriram o óleo pesado da Bacia de Campos; em parceria com universidades brasileiras, aperfeiçoaram e dominaram a tecnologia de produção em águas profundas. Com audácia empresarial e excepcional persistência em pesquisa geológica, desvelaram o pré-sal que, no momento, já duplicou nossas reservas com óleo leve e valioso. As estimativas conservadoras vão de prováveis 40 bilhões à euforia de 100 bilhões de barris no pré-sal. Confirmada a euforia, o Brasil terá a quarta maior reserva de petróleo do planeta.

Monteiro Lobato ilustrava os "maus brasileiros" como os que duvidavam, no início dos anos 50, que o Brasil tivesse petróleo ou que pudesse ter uma empresa nacional de refino e pesquisa de petróleo. No Poço do Visconde, esses brasileiros tinham orelhas de burro de papelão e, nas ilustrações, eram mostrados desfilando sob vaias da população. Apesar do imenso sucesso da Petrobras, os neoliberais da atualidade recomendam concessões às petroleiras estrangeiras como a fórmula para explorar o pré-sal com eficiência! Os netos de minha geração irão vaiar estes neoentreguistas.

Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ.

2 comentários:

Samuel Nário Fernandes Neto disse...

Concordo com praticamente tudo que Professor Carlos Lessa diz em seu texto.
É bastante pertinente a defesa pela diminuição na visão de produzir petróleo para exportar (principalmente em seu estado bruto). Essa visão encarece o produto para os brasileiros, elevando o preço de tudo que depende diretamente ou indiretamente do petróleo ou seus derivados, ou seja, tudo.
Além disso injustiças devem ser corrigidas, beneficiando mais os estados produtores de petróleo (nosso estado é um dos esquecidos por todos os governos).
Mas faço algumas (humildes) correções:
No Brasil, apesar de haver uma vasta rede hídrica, algumas regiões não possuem rios com potencial para hidrelétricas por questões técnicas que não me cabem explicar, e nesses casos as termelétricas suprem essa ausência, utilizando não o petróleo, mas o GAS que muitas vezes era sub-utilizado. Vide a termoaçu, que utilizará o gás que era queimado sem utilidade prática, e atrairá empresas que buscam regiões que potencial elétrico (exemplo da tão sonhada fábrica de barrilha).
Outro adendo é quanto a penalização de carros que poluem mais, isso já acontece, os carros que possuem motor a díesel são bem mais carros e carros de pequeno porte não podem utilizá-los.
No mais acho burro o posicionamente de certas pessoas que só por possuirem certo pensamento político não enxergam o que é melhor para o nosso país.

Um abraço Dennys.

Dennys Lucas disse...

Olá Samuel,

voltarei a este debate sobre energia, tomando como certas todas estas ponderações que devem ser consideradas, desde que por outra via tenhamos a clareza de que mundo queremos construir e de nossa responsabilidade com todos os povos. A solidariedade entre os povos deve ser premissa para um multilateralismo programático, inclusive através dos preceitos federalistas em que podemos está inseridos, não tomando por preestabelecimento de um passado de exploração, para agora fazermos se utilizar em privilégios de alguns, mesmo que seja nós, e o não desenvolvimento socialmente justo para todos...
Assim espero que o debate sobre as matrizes energáticas tomem como preceitos a democratização ao acesso, a responsabilidade social e sua sustentabilidade eco/social.

abraços,
muito bom te ver por aqui!